Friday, July 06, 2007


JANICE -Parte 2



– Como poderemos ajudá-la, Janice? – perguntou alguém da sessão.
– Preciso me inteirar da situação do mundo material de hoje, já que decidi reencarnar. Fui uma pessoa de muita projeção, dona de uma personalidade singular e extravagante. Agora preciso usar meu carisma para a liderança.
– Vai voltar política? – indagou um rapaz com boas intenções a mais e idade a menos.
– Deus proíba! – Mas como vacilei e traduzi ao pé da letra, logo retifiquei – Deus me livre! – A idéia é aproveitar o veio artístico que me acompanha há várias vidas. Nem sempre bem aproveitado, é verdade, como na penúltima, em que acabei fazendo strip-tease para viver...Mas isso é uma longa história e estou certa de que ninguém quer saber os pormenores sórdidos.
A deduzir pela cara de bobo e a boca aberta, o tal jovem estava prestes a dizer que queria. Tive que cutucá-lo.
– Alguma coisa específica no campo artístico? – Adiantei a próxima pergunta.
– Música, Teatro, até mesmo Literatura.Mas o importante é que com a Arte eu atingisse o maior número de pessoas. Dessa vez valorizando meu compromisso e minha vida.
– Mas aqui? – foi a pergunta da segunda pessoa à minha direita.
– E por que não? Vocês têm uma natureza exuberante, as pessoas são super amigáveis.
Acho que me apaixonei pelo Rio. Tanta musicalidade, numa cidade divertida, lindíssima, onde as coisas importantes acontecem...Acho que vou ser feliz nascendo aqui.
Outra cutucada, mas em mim mesma. Pensei em contar para Janis todos os motivos que me levaram a abandonar a cidade onde nasci e cresci, mas achei que não era o momento de decepcioná-la. Mas que me deu uma tremenda vontade, lá isso deu.

...


Algumas semanas e várias sessões mais tarde, meus serviços de intérprete especial para pessoas desencarnadas foram requisitados novamente.
Só que, dessa vez, eu não serviria de intermediária. Janice perguntaria diretamente para mim, eu responderia e depois traduziria pergunta e resposta para os demais.
– Mas por que eu? E se ela me perguntar alguma coisa que não sei, algo sobre minhas vidas anteriores que não lembro bem, sei lá. Coisas do tipo “será que eu estou feliz falando português depois de ter nascido várias vezes no Japão?”
Eles me garantiram que não, que como as perguntas poderiam ser respondidas por qualquer pessoa com mais de 45 anos, eu respondendo diretamente ficaria mais prático.
Concordei com a idéia, pois sou a favor da praticidade, muito embora esse negócio de mais de 45, sei não...
Mas tudo bem; afinal de contas, mesmo que não fosse pela vontade de ajudar um ser a evoluir, seria por puro fanzoquismo. Sempre gostei das músicas de Janis Joplin. E assim foi nossa conversa:

...

Janice: – Quando desencarnei, as coisas estavam meio agitadas, novos conceitos surgindo, valores obsoletos caindo...
Eu: – É, lembro bem esse tempo.
J: – Então, o que veio depois dos sutiãs queimados em praça pública? Há igualdade plena, não é mesmo?
E: – Bem, mais ou menos. As mulheres que lutaram pela igualdade agora trabalham fora. Mas também trabalham dentro. Jornada dupla. Agora a moda é ter peitão como as americanas. As jovens querem ser modelo em vez de psicólogas, pousar nuas em vez de se formarem.

J: – Jesus! Que retrocesso.
Ainda sobre as mulheres contei que meninas de 11 anos já são mães, embora haja muita informação e diversos métodos contraceptivos.
J: – E o Flower Power, conseguimos acabar com as guerras, certo?
Falei do Vietnã, suas conseqüências, e seu revival no Iraque. Se ela tivesse corpo físico, estaria rubra.
J: – Bem, então vamos falar de música. Quais grupos novos fazem muito sucesso?
E: – Os Rolling Stones. Assim como o U2.
Ela achou que eu estava brincando.
J: – E a medicina, evoluiu?
E: – Clonam-se ovelhas, mas não temos a cura do câncer.
J: – Mas do resfriado...
E: – Tampouco!
Fui ficando cada vez mais sem graça, e ela decepcionada. Nem correr.Tinha que ir até o fim. Ecologia, televisão, educação, ela queria saber de tudo. E eu não queria responder nada. Mas continuei.
J: – Então, pelo que você está me dizendo, o mundo encaretou de vez!
E: – Sim, voltaram as festas de 15 anos, acabaram os papos cabeça, filmes cult, respeito mútuo, demonstrações abaixo isso, abaixo aquilo...
J: – Mas pelo menos as mulheres são mais respeitadas?
E: – Claro; se ela for magra, sem barriga, sem estria, sem celulite, sem cérebro. Meninas têm morrido de anorexia para conseguir uma imagem padronizada.
J: – Sofro em saber que as coisas degringolaram tanto. Apesar disso, no Rio serei feliz, não acha?
Acovardei-me e não respondi. Não querendo ser responsável por sua não-volta, pedi licença e fui embora.
E você, faria diferente?

No comments:

Post a Comment